A Revolução dos Cravos foi semeada pela mão de várias personalidades que tiveram a audacidade e valentia de lutar pelo fim da Ditadura. No ano em que se celebra meio século daquele que foi o primeiro dia da vida dos portugueses, realizámos alguns retratos que dão a, conhecer em poucas palavras, 7 Heróis de Abril.
Por Afonso Vasconcelos, Ana Carolina Pinto, Bruna Esteves, Camila Luís, Daniel Oliveira, Laura Lourenço, Mafalda Inácio e Tiago Paiva.
Humberto Delgado
Humberto Delgado foi o primeiro grande opositor do Estado Novo, ao fomentar o pensamento reacionário por parte do povo através da sua coragem, que lhe mereceu a alcunha de “General sem Medo”. Convidado por oponentes do regime Salazarista, foi o candidato a Presidente da República da oposição, concorrente do representante do regime, Américo Tomás. Autor da célebre frase “Obviamente, demito-o!”, ao referir-se ao que faria em relação ao Presidente do Conselho António de Oliveira Salazar caso fosse eleito, incendiou o espírito reacionário do povo e foi a voz dos oprimidos. De forma surpreendente, acabou por perder as eleições de 1958, com 23% dos votos, resultado altamente questionado, suspeitando-se de uma fraude protagonizada por agentes da PIDE e seguidores do regime. Depois das eleições, foi ameaçado e perseguido pela polícia política, o que obrigou a que pedisse asilo político no Brasil. Foi assassinado em 1965, vítima de uma emboscada protagonizada por agentes da PIDE que o levaram a pensar que se reuniria com opositores do regime, atraindo-o para Espanha. Morreu como um herói da nação, e é até hoje visto como uma das figuras do movimento anti-ditatorial.Zeca Afonso
José (ou Zeca) Afonso, eternizado como uma das vozes da libertação do Estado Novo, nasceu em 1928. Com uma infância agitada pelas divisões familiares, entre solo africano e português, só se veio estabelecer em Portugal uma década depois. Com um percurso universitário recheado de vida boémia e fados, Coimbra foi o seio onde floresceu a sua carreira musical, expandindo os seus horizontes com várias atuações internacionais. O cantor revolucionário é reconhecido como uma das figuras motrizes de oposição ao Estado Novo, tendo como ferramenta de protesto a música, da qual se servia para ecoar palavras de intervenção. A sua lírica, munida de engenho e sagacidade, ludibriou várias vezes os organismos censores, como o lápis azul. “Venham mais cinco”, “Vampiros”, “Traz outro amigo também” e “O que faz falta” são algumas das suas canções mais conhecidas. Em maio de 64′, atuou na Sociedade Musical Fraternidade Operária Grandolense que serviu de inspiração para aquele que seria a canção da liberdade, “Grândola Vila Morena”. Este tema, composto pelas suas mãos, serviu de senha de arranque da Revolução dos Cravos, e apresenta-se como a representação viva das vozes portuguesas oprimidas. Em 1973, durante a sua “peregrinação” musical foi detido pelas forças repressivas e permaneceu preso durante 22 dias. Após a queda da ditadura, o autor continuou a cantar Abril e dedicou-se de braços abertos ao Processo Revolucionário em Curso. Em 1983, foi a última vez que presenteou o público com a sua voz pelo agravamento da sua saúde. Zeca Afonso faleceu em 1987, contudo a sua memória permanece acesa no consciente português pela sua resistência incansável e como um símbolo de liberdade.José Mário Branco
São vários os intervenientes que compõem o retrato da revolução: entre militares, civis, artistas e políticos, inúmeros são aqueles que enriqueceram a história desta data e que contribuíram para que o tão aclamado dia 25 fosse eternizado no panorama nacional. No meio de tantos, José Mário Branco emerge entre os demais como uma das vozes que cantou os valores de abril. José Mário Monteiro Guedes Branco, mais conhecido por José Mário Branco, é uma das personalidades que marcaram para a eternidade a música portuguesa, desde a década de 1960. Cantautor, compositor e produtor musical, José Mário Branco nasceu a 25 de maio de 1942, na cidade Invicta, e é considerado um dos grandes nomes da canção lusófona, devido à sua extensa atividade no ramo da música. Filho de professores do ensino primário, José Mário Branco cresceu entre o Porto e Leça de Palmeira. Anos mais tarde, durante a sua juventude, apoiou em 1958 a candidatura de Humberto Delgado, despertando, desta forma, a sua consciência política. Com apenas 21 anos, o artista viu-se forçado a prestar exílio em Paris de forma a escapar à Guerra Colonial, sobre a qual era expressamente contra. Opositor ativo do Estado Novo, o artista chegou, ainda, a ser preso pela Polícia Internacional e de Defesa do Estado, por se recusar a cumprir serviço militar. Exilado durante mais de dez anos, o compositor só regressou a Portugal após o 25 de abril. Após a Revolução dos Cravos, José Mário Branco foi um dos fundadores do Grupo de Ação Cultural – Vozes na Luta, em conjunto com Tino Flores, Fausto Bordalo Dias e Afonso Dias. Da sua produção musical, realçam-se os álbuns “Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades” (1971), “Ser Solidário” (1982) e “Correspondências” (1990).Salgueiro Maia
Quando se pensa na Revolução dos Cravos, uma das primeiras figuras que surge na memória dos portugueses é um dos Capitães de Abril: Salgueiro Maia. Sendo um dos protagonistas do Movimento das Forças Armadas, Fernando José Salgueiro Maia comandou os cercos ao Terreiro do Paço e ao Quartel do Carmo, o último resultando na rendição de Marcello Caetano. Do capitão também fica uma das intervenções mais marcantes da revolução. Salgueiro Maia nasceu no dia 1 de julho de 1944, em Castelo de Vide. Começou o seu percurso militar com 20 anos, com passagens pela Academia Militar de Lisboa e a Escola Prática de Cavalaria em Santarém. Esteve destacado em África entre 1967 e 1969, em Moçambique, e 1971 e 1973, na Guiné. Regressando a Portugal já como capitão, esteve envolvido no MFA desde o seu início, sendo que a sua ação à frente da cavalaria foi fundamental para o 25 de abril. Com a sensação de missão cumprida, Salgueiro Maia recusou fazer parte do Conselho de Revolução. Ao longo dos anos seguintes, o capitão ‘Maia’ obteve uma licenciatura em Ciências Políticas e Sociais e uma pós-graduação em Ciências Antropológicas e Etnológicas pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas. Além disso, foi promovido duas vezes: a major, em 1981, e a tenente-coronel, em 1988. A vida de Salgueiro Maia foi curta, vindo a falecer com 47 anos, a 3 de abril de 1992. Apesar de morrer jovem, o protagonismo do capitão num dos momentos mais importantes da história de Portugal eterniza-o. O seu legado também perdura através da literatura, do cinema, ou das homenagens e condecorações póstumas.António Spínola
António Sebastião Ribeiro de Spínola (1910-1996) foi uma figura proeminente na história política e militar de Portugal ao desempenhar um papel crucial durante o processo de descolonização e na Revolução dos Cravos. Depois do regime ditatorial do Estado Novo ser abolido, Spínola assumiu o cargo de Presidente da República do primeiro Governo Provisório democrático português. Spínola nasceu em Lisboa, a 11 de abril de 1910, filho de uma família tradicionalmente ligada ao exército português. Ao seguir os passos da família, ingressou na Academia Militar, graduando-se em 1932. Durante a sua carreira militar, António Spínola especializou-se em Cavalaria, subindo rapidamente nas patentes do exército português. Guerra Colonial Na década de 60, durante o período da Guerra Colonial, Spínola foi eleito para comandar as forças portuguesas na Guiné-Bissau e, entre 1968 e 1973, atuou no país referido como governador das forças armadas. Durante esse tempo, foi sobretudo reconhecido pelo seu pragmatismo e disposição para negociar com os movimentos independentes, contrastando com a abordagem mais rígida do regime do Estado Novo. Spínola publicou um livro intitulado “Portugal e o Futuro”, em 1974, no qual defendia uma solução política para a Guerra Colonial em que recusava uma abordagem puramente militar. A obra literária teve um grande impacto na época e foi um dos catalisadores do golpe militar revolucionário. Revolução dos Cravos e Presidência O regime do Estado Novo caiu e Spínola tornou-se presidente da Junta de Salvação Nacional, assumindo um papel importante na transição para a democracia. Foi nomeado Presidente da República em maio de 1974, porém o seu mandato foi curto devido a divergências com setores mais radicais do movimento revolucionário. Spínola renunciou ao cargo em setembro do mesmo ano. Após a sua renúncia, Spínola manteve-se envolvido em atividades políticas, mas de menor exposição. Procurou também liderar uma tentativa de golpe em 1975, conhecida como “Golpe da Maria da Fonte”, no entanto fracassou e acabou por se exilar em Espanha. O ex-militar português retornou ao seu país em 1976, onde viveu em relativa obscuridade até sua morte em 1996.Ramalho Eanes
António dos Santos Ramalho Eanes, mais conhecido como Ramalho Eanes apresenta-se como uma figura imponente na história da política portuguesa. Nasceu em 1935, e como militar foi fundamental na transição de Portugal para a democracia após o período autoritário do Estado Novo. O político fez parte do Conselho da Revolução, tendo sido uma peça fundamental para o seu estabelecimento e execução para derrubar a ditadura. O militar desempenhou um papel crucial como primeiro presidente eleito, após o 25 de abril. Exerceu dois mandatos entre 1976 e 1986, e foi um defensor dos direitos humanos, da estabilidade política e do desenvolvimento económico, durante os anos críticos da transição. Na Crise de 25 de novembro de 1975 teve ainda um papel fundamental na neutralização da potencial guerra civil. Ramalho Eanes conquistou o respeito e a confiança dos portugueses, o que ajudou a unir as diferentes frações do movimento revolucionário, e principalmente a construir a nova era da liberdade e da democracia em Portugal.Otelo Saraiva de Carvalho
O 25 de Abril permitiu a libertação e a democratização de um país assolado pelas forças ditatoriais. Por trás desta revolução, existiu um planeamento engenhoso e estratégico que teve como principal mente da operação: Otelo Saraiva de Carvalho. Nascido a 31 de agosto de 1936, Otelo Saraiva de Carvalho seguiu a carreira militar por influência da sua avó materna, colocando de parte o seu desejo inicial de ser ator. Em 1959 terminou a sua formação na Escola do Exército (atual Escola Militar), embarcando na década de 60′ para a Guerra Colonial onde desempenhou os postos de alferes e capitão de artilharia. O espírito revolucionário do Capitão de Abril só veio ao de cima em 1973, traduzido na organização do Congresso dos Combatentes ao Ultramar em defesa do território ultramarino e da grandeza e unidade de Portugal. Contestou também o decreto-lei n.º 353/73 que culminou na criação do Movimento dos Capitães, futuro MFA. Após o fracasso do Levantamento das Caldas (tentativa de golpe de Estado, sem sucesso, ocorrida a 16 de março de 1974), Otelo chamou a si a função de desenhar o plano militar de operações que daria origem ao golpe militar do 25 de abril. No dia da revolução coordenou as operações a partir do posto de comando clandestino presente no Quartel da Pontinha e acompanhou minuciosamente os novos desenvolvimentos no Largo do Carmo. Redigiu ainda uma carta manuscrita que dava indicações a Salgueiro da Maia para abrir fogo contra o Quartel do Carmo. O militar envolveu-se ainda em episódios controversos, associando-se à sua pessoa uma memória repartida entre um “herói” ou um “vilão”. Durante o PREC, foi preso após ter sido responsável pela prisão de inúmeros adversários políticos ao emitir mandados de captura em branco, ou seja, sem acusação ou ordem judicial. Já em meados da década de 80′ voltou a ser detido, acusado pelo Ministério Público de ter criado e dirigido o Projeto Global, estrutura parte da organização terrorista Forças Populares 25 de Abril liderada por Otelo Saraiva de Carvalho. Em 1996 foi amnistiado dos crimes de associação terrorista pela Assembleia da República. A mente por trás do golpe do 25 de abril faleceu em 2021, contudo permanece como um dos símbolos indissociáveis da revolução que plantou em forma de cravos a liberdade de um povo oprimido durante décadas a fio.
Imagem do texto de Humberto Delgado: Jornal Sol Imagem texto Zeca Afonso: Associação José Afonso Imagem texto José Mário Branco: Visão Imagem texto Salgueiro Maia: Público Imagem texto António Spínola: Público Imagem texto Ramalho Eanes: Observador Imagem texto Otelo Saraiva de Carvalho: Correio da Manhã Imagem principal: Revista Sábado