A revolução através dos olhos de Jorge Monteiro, estudante de Direito na UC da turma de 74, que envolve um cão dentro da sala de aula, um cerco à sede da PIDE e o “frenesim nas ruas de Coimbra”.
A 25 de abril de 1974, a rádio deu o sinal e o povo saiu às ruas. História começava a ser feita na cidade de Lisboa, que acabou por se estender pelo resto do país. A “Revolução dos Cravos” em Coimbra, contada por uma pessoa que, ainda hoje, transborda os valores de abril: Jorge Gouveia Monteiro, antigo vereador da CDU e atual presidente da associação Gatos Urbanos.
Jorge tinha 18 anos, era caloiro na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra quando se deu o 25 de abril. “Não sabia que ia acontecer” contou-me, prosseguindo a explicação do que encontrou na faculdade: “a faculdade estava um pandemónio e a malta estava toda eufórica, principalmente os alunos vindos de Moçambique, sentiam que era o fim da guerra”.
Nessa mesma manhã não houve aulas, mas segundo Jorge, um professor (associado às ideias do regime) fez questão de ficar dentro da sala de aula durante uma hora. Os alunos responderam a isto, colocando um pastor alemão dentro da sala, uma forma de dizer, como Jorge explica “dá a aula ao cão, a nós não dás”.
Não havendo aulas, Jorge foi para casa tentar ouvir a BBC junto da família, “estava tudo ouriçado, a tentar perceber o que se estava a passar” conta-me entre sorrisos, depressa entenderam que “seria para pôr fim ao regime”. Os dias seguintes deram lugar ao cerco da sede da PIDE, na rua Antero Quintal em Coimbra, “estavam milhares de pessoas para garantir que esses “gajos” eram presos”.
Relembrou que durante a revolução existiam pessoas que “não saíram da toca” porque “gostavam de Salazar”, mas outras que saíram e fingiram apoiar a revolução, Jorge lembrou uma canção da altura ao declarar: “cravo vermelho ao peito a todos ficam bem, sobretudo dá jeito a certos filhos da mãe”.
“Andávamos com os pés no ar” foi a expressão que usou, “queríamos saber tudo”, dizendo que foi um momento inexplicável e de muita curiosidade pelas ruas de Coimbra.
O antes e o depois
Falou-me de como era a sociedade antes da revolução, nomeadamente os liceus que “eram só de rapazes ou de raparigas”, um ambiente muito “controlado e repressivo” e uma educação “restrita”.
Jorge sente-se sortudo por ter tido um pai professor na faculdade naquela altura, porque estava a par de muitos alunos que tinham sido presos ou enviados para a guerra, dessa forma, conseguiu “proteger” o filho, para este não ser muito vocal contra as ideias do regime.
Escolheu o “ser enviado para a guerra” como a pior consequência, porque os alunos “nem podiam acabar o curso e iam ajudar uma causa na qual não acreditavam”, porém, este tipo de castigo também teve um lado bom, porque “esses jovens levaram as novas ideias para dentro do exército”.
O depois da revolução foi explicado por Jorge, com uma citação de Sérgio Godinho: “Só quer a vida cheia, quem tive a vida parada”, afirmando que Coimbra foi “das primeiras revoluções” depois da de Lisboa. Resumiu o ambiente na altura como “inexplicável”, existia um “frenesim nas ruas de Coimbra”, relembrando as primeiras eleições “havia uma fila de 600 metros para votar”.
Jorge Monteiro também participou nas “campanhas de alfabetização”, que tinham como objetivo ensinar a ler e a escrever pelo país inteiro.
O agora
“Há de haver sempre aquilo que eu chamo, as hienas” comentando o resultado das últimas eleições. Jorge Monteiro pensa que este resultado foi fruto de uma “contestação e insatisfação das pessoas” e que conhece “suficientemente bem o povo da nossa terra” que a liberdade conquistada em 1974 não será posta em causa.
Vai haver sempre pessoas que acham que antigamente é que era bom e que o lugar da mulher é em casa”, mas pensar que se pode voltar a isso, na opinião de Jorge “é uma loucura”.
Por fim, realçou a importância de transmitir os valores de abril às gerações futuras e que “falar com as pessoas mais velhas” sobre a revolução pode contribuir para uma noção maior do que é a liberdade e do que foi preciso fazer para conquistá-la.