Quando olhamos para um jornal, se lá estiver algum político, já sabemos que veremos uma figura austera e respeitada. Se espreitarmos uma entrevista, certamente, ele dirá que, desde criança, teve um comportamento exímio e um percurso académico exemplar. Será que todos são assim?
Pelo menos, não é o caso de David. Até ao 9º ano, não era um aluno empenhado. Quase sempre distraído e desatento, eram raras as vezes em que estudava com antecedência e eram frequentes as vezes em que solicitava a “ajuda do público” sempre que os professores lhe perguntavam alguma coisa. Boatos correm de que copiava pelo seu colega de mesa e era, por isso, repreendido.
Não podemos julgá-lo. Afinal, não existem só alunos “perfeitos”, se é que a perfeição é uma realidade atingível por algum ser humano. Se perguntarmos a um miúdo de 10 anos o que deseja ser, provavelmente, ele dirá uma das seguintes opções: bombeiro, piloto, jogador de futebol, polícia, astronauta ou youtuber.
Em suma, nenhum vos dirá que quer ser político. Todos sabemos que os políticos nunca fazem nada de jeito. Quem é a pessoa que sonha em querer estudar política?
Os sonhos são o motor da nossa existência, dão- nos ânimo e vontade de viver. São eles que nos moldam, ou será possível moldarmo-nos a eles? Afinal, nem todos os sonhos nascem connosco. Alguns crescem connosco, de forma imprevisível, como uma flor que desabrocha no cantinho do canteiro e, de repente, pela sua beleza peculiar, se torna a mais especial do nosso jardim interior.
Na vida, não devemos descartar um sonho, por mais recente que seja. Já dizia Shakespeare que “Nós somos do tecido de que são feitos os sonhos”, o que é o mesmo que dizer que fazemos parte deles. E eles parte de nós.
Sempre que nos surge um novo sonho, devemos agarrá-lo, caso contrário deixaremos de explorar uma parte da nossa essência, mesmo que ele seja relacionado a política. E, quando, aos 17 anos, emergiu a vontade de estudar política em David, ele perseguiu-a. E essa decisão marcou o começo de um novo capítulo, na escrita da sua jornada.
O leitor estará, compreensivelmente, perdido. Até chegar à leitura desse capítulo, quantos não lerem sobre a vida deste jovem? E como um jovem tem interesse em política? Não se aflijam, pois todas as vossas questões serão respondidas.
Assumo, talvez de forma errónea, que estarão muito surpreendidos com esta reviravolta. Espero que não se aborreçam comigo e desistam de ler este texto, mas isso apenas se deve ao preconceito que, socialmente, nos é incutido. Um mau aluno dificilmente se consegue tornar um excelente aluno, e muito menos numa profissão relacionada com política. Porém, esse preconceito esquece-se do essencial: a mudança é possível, para quem a deseja e se entrega a ela. Estas crenças preconceituosas colocam-nos limites inexistentes.
O David não era um dos mais aplicados, mas não se mantém assim até hoje, como já devem imaginar. Acontece que, quando foi para o ensino secundário, a história e a geografia despertaram-lhe um forte interesse. Já no 12º ano, a junção do gosto nutrido por ambas resultou no desejo do estudo da política.
Aos 18 anos, chegou a altura de ingressar no Ensino Superior e ele não teve dúvidas de que queria tirar um curso relacionado com a sua mais recente paixão. E entrou no curso de Ciência Política, no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa (ISCSP). Lá, a paixão transformou-se em amor ao curso. Tornou-se um dos melhores alunos da turma, bem como um dos mais envolvidos em projetos de associativismo, que o ligaram a causas sociais e fizeram-lhe ver na política uma forma de melhorar a realidade à sua volta.
Mais do que o mérito e reconhecimento, ganhou uma nova visão do mundo. Os estudantes de política aprendem a confrontarem-se com diferentes perspetivas sobre os conflitos. Os líderes dos países tomam decisões por motivos muito ligados à história de cada país, que não nos é contada da forma como por eles é sentida. O herói de uma história, pode ser o grande vilão em outra, é assim que começam as guerras. Não nos cabe julgar quem é o certo e o errado. Afinal, na política como na vida, não há pessoas totalmente boas ou más, apenas diferentes. E a política é uma extensão da vida.
Para muitos, esta área é desinteressante e, arrisco-me a escrever, quase descartável, sendo muito desvalorizada.
Vamos supor que vivemos todos numa aldeia, que tem uma estrada com um buraco enorme. Um dos habitantes, o Sr. Manuel, frustrado com a situação, decide ir à Junta de Freguesia e pedir para taparem o buraco. Quando os senhores responsáveis pela obra a acabam, aquele problema desaparece e a qualidade de vida melhora. Se não houvesse política e, mais ainda, se Manuel não utilizasse a sua participação ativa na vida política, o buraco permaneceria na estrada. Este é um dos exemplos que nos pode ser familiar e que justifica a utilidade política, mesmo nas pequenas inconveniências básicas do quotidiano.
Porém, este é um trabalho que é quase invisível. E desengane-se quem pensa que esta indiferença é apenas da parte dos mais velhos ou dos jovens porque é transversal às diferentes gerações, segundo vários estudos. Porém, há que pensar: se não existisse alguém com essa função, quem consertaria o buraco da estrada? E, se formos a uma escala ainda maior, quem resolveria os problemas da habitação, da educação e da saúde, que são os pilares essenciais para a manutenção de um país que consegue corresponder às exigências necessárias a uma boa qualidade de vida para a população? Nesse cenário, subitamente, a ideia da política ser inútil desvanece-se.
Isto tudo não significa que não se possa falhar. Se um determinado partido “erra”, outro partido pode ser eleito. No entanto, não nos podemos esquecer que, mesmo quando errou, um político não colocou os seus interesses individuais acima dos coletivos, antes pelo contrário.
Todavia, David lamenta: “Em Portugal temos um problema grave de alienação política, portanto, as pessoas olham para a classe política como se fosse quase uma oligarquia- em primeiro lugar os interesses privados, em segundo os interesses privados, em terceiro e quarto também os interesses privados e só em quinto ou sexto os interesses públicos”. Há sempre quem agradecerá por já não existir o buraco na estrada e haverá sempre quem acreditará que não foi arranjado antes pelo interesse da Junta de Freguesia, mesmo que de forma injustificada.
Uma mentira contada muitas vezes, torna-se verdade. Mas não se devia tornar. Os governos, excluindo os autoritários, têm como maior preocupação a população – é assim que os países se desenvolvem e prosperam. Os políticos não são figuras distantes e completamente robóticas, sem emoções, simplesmente colocam os seus desejos de lado, sendo mais racionais, em prol do bem comum, ou seja, do que acreditam que mais beneficiará a população. Não nos esqueçamos que qualquer um de nós pode enveredar pela carreira política. É, inclusivamente, graças a ela que os nossos direitos são conquistados. Por outro lado, são perdidos quando escolhemos a abstenção.
No seu curso, o jovem aprendeu que “nós somos capazes de mudar qualquer coisa, mesmo que comecemos de forma pequenina”. Na verdade, não é preciso estudar-se ou exercer-se um curso relacionado com esta temática, porque a política é para todos, principalmente para os jovens que constituirão a sociedade do futuro. Ela pode começar numa escola secundária, com a criação de uma lista. Pode iniciar-se com a vontade de aprender mais sobre o assunto e nos envolvermos mais na tomada de decisões, através da organização de uma manifestação ou até com a junção a uma causa não governamental, por exemplo. Ela pode expandir-se ainda mais e fazer-nos querer que votem em nós para mudarmos a vida de um incontável número de pessoas. E ela não escolhe idades, nem géneros. Depende da vontade que cada um tem para investir nela. Ela pode começar em nós e não acaba em nós, há um legado que, enquanto sociedade, devemos fazer perdurar no tempo.
Além disso, a política não exige um perfil de alguém que sempre foi exímio desde que aprendeu a falar. Ela é feita de pessoas e para pessoas. Enquanto humanos, a nossa imperfeição é o que nos caracteriza, mas como lidamos com ela é o que nos singulariza. E isso é enriquecedor, até mesmo na política.
A prova disso é o David. O David também é o João, o Francisco, o Miguel e o Hugo. O David também é a Teresa, a Joana e a Maria. O David é ele próprio e é todos os outros. O David é o espelho da mudança de qualquer aluno mais rebelde e, aparentemente, perdido. O David, mesmo sendo um jovem, é um exemplo a ser seguido. Todos podem ser o David. Todos podem seguir política e, mais importante ainda, participar na vida política!