Com o cinquentenário do 25 de Abril, há quem coloque em cima da mesa a vontade de um tratamento semelhante para o 25 de Novembro de 1975 que é, até hoje, um dos episódios mais polémicos e até “enigmáticos” do Processo Revolucionário em Curso.
Revolução ou Ilusão? As versões adotadas entre protagonistas e historiadores divergem: se para uns, este dia ditou o fim da revolução portuguesa e a normalização democrática do país, para outros a data não assume qualquer relevância histórica. Esta segunda visão é partilhada pelo Coronel Sousa e Castro, que aos 30 anos se tornou um “capitão de Abril” e, mais tarde, integrou o “Grupo dos Nove”. O porta-voz do Conselho de Revolução, que esteve encarregue da comissão de extinção PIDE/DGS, afirma a pés juntos que “o 25 de novembro que querem celebrar não existe”.
Onde estava o poder?
Após a queda da ditadura mais antiga da Europa, a governação de Portugal ficou entregue a três órgãos: ao Presidente da República, ao Conselho de Revolução, instituído pelo Movimento das Forças Armadas (MFA), e ao Governo presidido por um Primeiro-Ministro.
O Presidente da República era, simultaneamente, presidente do Conselho da Revolução. O primeiro-ministro, que era militar, tinha assento no Conselho da Revolução. “Ora o que acontecia é que, na verdade, não havia três poderes, na verdade existia o poder do Conselho da Revolução (…) era um órgão de soberania, absolutamente todo poderoso. E, se não partirmos daqui, da visão onde estava o poder quando começou o conturbado Verão Quente, nós não chegaremos nunca a lado nenhum”, explica Rodrigo de Sousa e Castro.
Havia ainda uma Assembleia Constituinte, encarregue de escrever a Constituição.
A luta política
Um ano depois da Revolução dos Cravos, a 25 de abril de 1975, dão-se as eleições para a Constituinte, com a adesão da esmagadora maioria do eleitorado ao modelo político de democracia pluralista e, a partir desse momento, emerge uma luta entre a legitimidade eleitoral (proposta pelos partidos democráticos) e a legitimidade revolucionária (defendida pela esquerda revolucionária). O Governo era constituído pelo PCP, PS e PSD.
“Assim se produziu aquilo que era o grupo dos que achavam que eram os únicos herdeiros da Revolução (…), mesmo com a Constituinte a funcionar, e havia então os militares, que deram depois origem ao grupo dos militares “moderados” e ao “Grupo dos nove” [do qual fazia parte], que entendiam que, antes de tudo, estava a legitimidade eleitoral e não a legitimidade revolucionária, que se tinha que subordinar àquilo que o povo indicava nas urnas.”
Rodrigo Sousa e Castro
Esta divergência de ideias deu origem a uma série de confrontos que decorreram ao longo de todo o Verão Quente.
A 7 de agosto de 1975, véspera do dia previsto para a tomada de posse do V Governo Provisório, é lançado um documento intitulado de “Documento dos 9”, também conhecido como “Documento Melo Antunes”, subscrito por nove oficiais, membros do Conselho da Revolução – Franco Charais, Pezarat Correia, Vítor Alves, Melo Antunes, Costa Neves, Canto e Castro, Vítor Crespo, Vasco Lourenço e Sousa e Castro – o “Grupo dos Nove”. Neste documento constava a solução política para o país, de acordo com os “moderados”.
Perante este documento, um dos setores do bloco revolucionário, o Diretório do MFA (constituído por Costa Gomes, Otelo de Saraiva Carvalho e Vasco Gonçalves), redige um documento de oposição, o “Guia Povo/MFA” . A esta contestação une-se a suspensão do “Grupo dos Nove” do Conselho da Revolução e a decisão de avançar para a formação do V Governo Provisório.
Poucos dias depois, a 13 de agosto, o outro bloco do campo da revolução emite um outro documento, o “Documento do COPCON” (Comando Operacional do Continente), da autoria de Mário Tomé, que tem o apoio da UDP (União Democrática Popular), MES (Movimento da Esquerda Socialista) e PRP / BR (Partido Revolucionário do Proletariado / Brigadas Revolucionárias).
Ainda assim, o Grupo dos Nove, em ligação com o PS, consegue inclinar a balança a seu favor, excluindo qualquer chance do setor mais revolucionário no seio do MFA constituir o V Governo Provisório.
O “Documento dos Nove” vai a debate nas unidades militares, com a maioria a seu favor.
“E então, o que é que isso garante? Garante uma legitimidade militar ao Grupo dos 9. Isto é, nós, a partir do feedback das votações dos quartéis, concluímos que quem tem a força militar somos nós. (…) Temos força militar, mas tínhamos sido expulsos do Conselho da Revolução.”
Rodrigo de Sousa e Castro
A Reunião da Assembleia do Exército pelas memórias do Coronel Sousa e Castro
Para o Coronel Sousa e Castro, foi a 19 de setembro de 1975, com o afastamento dos “mais de esquerda”, a reintegração do Grupo dos Nove no Conselho de Revolução e a substituição de Vasco Gonçalves pelo Almirante Pinheiro de Azevedo para o cargo de primeiro-ministro que se deu a verdadeira mudança no poder, o qual “tinha deixado de ser uma ameaça à democracia”, afirma.
“Mas então, o que é que resta? O que resta é que, apesar da ação do Grupo dos Nove, de terem sido reintegrados no Conselho da Revolução, de terem mudado o V governo, de terem mudado o primeiro-ministro, alguns quartéis continuavam nas mãos de elementos radicais. Não que fossem a maioria dos que estavam dentro dos quartéis, mas eram suficientemente ativos naquele ambiente de liberdade total para lançarem o que a gente chamava o granel, lançarem a confusão dentro dos quartéis”, é assim que Sousa e Castro explica os acontecimentos que se desenrolaram mais tarde.
Na madrugada de 25 de novembro, Vasco Lourenço, do Grupo dos Nove, é nomeado para comandante da Região Militar de Lisboa, em substituição de Otelo de Saraiva Carvalho, que os revolucionários viam como um chefe para a revolução social.
Também o chefe de Estado-Maior da Força Aérea, General Morais da Silva, ameaça dissolver o regimento, decisão que os “páras” não consentem. Indignados, começa a revolta dos paraquedistas, que ocupam as bases de Tancos, Monte Real, Montijo e o Comando da Região Aérea, no Monsanto, em Lisboa. O “Capitão de Abril, Capitão de Novembro” [como se intitula no seu livro] assume que os “moderados” estavam preparados, com um plano militar, para responder a um eventual golpe da esquerda radical.
O 25 de Novembro pelo Coronel Sousa e Castro
Na voz do Coronel, o 25 de novembro de 1975 nada mais foi do que um “ajustes de contas”, sem qualquer característica de revolução, ou de contra-revolução.
“O que é que muda de 24 para 26? Do ponto de vista institucional, nada. De 24 a 26, [mantém-se] o presidente Costa Gomes. De 24 a 26, [mantém-se] o primeiro-ministro Pinheiro de Azevedo. (…) Há uma pequena alteração no Conselho da Revolução. Não de 24 a 26, mas depois, uns dias depois, bastantes dias depois. O Governo, [continua a ser] tripartido com militares. PCP? PCP continua no governo a 26. (…) Portanto, a minha tese é a seguinte, nós não temos que refletir nada sobre o 25 de Novembro”.
Rodrigo de Sousa e Castro
O antigo membro do Grupo dos Nove afirma-se totalmente contra as comemorações do 25 novembro de 1975, por considerar que é uma tentativa de oposição da extrema-direita à Revolução de Abril: “A extrema-direita nunca aguentou o 25 de Abril. Nem vai aguentar. Porquê? Porque a extrema-direita perdeu no 25 de Abril. Foi derrubada.”
Considera ainda que, para além dos “otelistas”, também a extrema-direita saiu derrotada no 25 de novembro, “porque o seu projeto de regressar a qualquer coisa parecida com o regime autoritário de direita fica absolutamente fora de questão”.
Aliás, ironicamente, uma parte que foi derrotada é aquela que está a levantar a questão do 25 de novembro.
Rodrigo de Sousa e Castro
Comemorar o 25 de novembro de 1975? Ouça a opinião do Coronel Sousa e Castro