No dia 25 de abril de 2024, celebram-se os 50 anos da Revolução dos Cravos. Há meio século, Portugal libertava-se das correntes de um regime opressor que governou o país durante 48 anos.
O Movimento das Forças Armadas (MFA), derrubou, a 25 de abril de 1974, o regime ditatorial que governou Portugal durante 48 anos, o Estado Novo, fundado por António de Oliveira Salazar e à época liderado por Marcello Caetano.
Os protagonistas da Revolução dos Cravos contestavam a Guerra Colonial, que começou em 1961 e já durava há 13 anos. Este conflito opunha as forças militares portuguesas e as colónias que, até então, estavam sob domínio português. Cerca de 9 mil militares perderam a vida em combate.
Em 1973, Portugal tinha cerca de 150 mil homens a combater em terreno africano. Muitos voltavam feridos ou com doenças psiquiátricas provocadas pelas experiências traumáticas que passaram, havia, por isso, uma grande dificuldade de integrar estes militares na vida civil.
Os militares sabiam, melhor do que ninguém, o estado em que se encontrava o país e a grande dificuldade que seria a manutenção das colónias no poder português. Então um grupo de militares, entre eles Otelo Saraiva de Carvalho, fundaram o Movimento das Forças Armadas (MFA) e organizaram um golpe de estado, a Operação Fim-Regime.
No dia 25 de abril de 1974 o golpe de estado é posto em prática, tornando-se numa revolução pacífica e vitoriosa que ficará para sempre lembrada como a Revolução dos Cravos.
A Revolução:
No dia 24 de abril de 1974, às 22h55, os Emissores Associados de Lisboa transmitem a senha que indicava o início das operações militares. À hora marcada, o locutor João Paulo Diniz anunciou a primeira senha do golpe de estado: “faltam cinco minutos para as 23 horas. Convosco, Paulo de Carvalho, com o Eurofestival de 74, E Depois do Adeus.”
Nos primeiros 20 minutos do dia 25 de abril de 1974, ouve-se na emissão da Rádio Renascença, pela voz de Leite Vasconcelos, a primeira quadra da canção de Zeca Afonso:
“Grândola Vila Morena,
Terra da fraternidade,
O povo é quem mais ordena,
Dentro de ti, ó cidade“
A segunda senha da revolução estava assim transmitida, as tropas preparavam-se para abandonar os quartéis.
Pouco tempo depois das três da manhã o capitão Teófilo Bento comunica com o major Otelo Saraiva de Carvalho, que se encontrava no Posto de Comando da Pontinha. “Daqui é o maior de Lima Cinco. Acabámos de ocupar Mónaco sem incidentes”, dando conta de que a RTP já se encontrava no poder do Movimento das Forças Armadas. Seguiu-se o Rádio Clube Português, desta vez foi o capitão Santos Coelho que comunicou com a Pontinha: “ Aqui Grupo Dez. Informo México conquistado sem incidente”. A RTP e o Rádio Clube Português eram essenciais para a operação, pois era através destes que se transmitiam os comunicados sobre o que se estava a passar no país.
Às 4h26 ouve-se o primeiro comunicado do Movimento das Forças Armadas:
“Aqui Posto de Comando do Movimento das Forças Armadas. As Forças Armadas portuguesas apelam para todos os habitantes da cidade de Lisboa no sentido de recolherem a suas casas, nas quais se devem conservar com a máxima calma. Esperamos sinceramente que a gravidade da hora que vivemos não seja tristemente assinalada por qualquer acidente pessoal, para o que apelamos para o bom senso dos comandos das forças militarizadas no sentido de serem evitados quaisquer confrontos com as Forças Armadas. Tal confronto, além de desnecessário, só poderia conduzir a sérios prejuízos individuais que enlutariam divisões entre os portugueses, o que há que evitar a todo o custo. Não obstante a expressa preocupação de não fazer correr a mínima gota de sangue de qualquer português, apelamos para o espírito cívico e profissional da classe médica, esperando a ocorrência aos hospitais, a fim de prestar a sua eventual colaboração, que se deseja, sinceramente desnecessária”.
Estava em marcha a Operação Fim-Regime. As colunas militares com os seus tanques dirigiram-se a Lisboa, dominando pontos estratégicos da capital. Por fim, Salgueiro Maia e as suas tropas cercaram o quartel da GNR do Carmo, onde se refugiou Marcello Caetano, o sucessor de Salazar e então líder do regime.
Durante o dia, a população, motivada pela sede de vitória do movimento, foi saindo à rua e juntando-se aos militares. O golpe de Estado, que até se previa que podia ser violento, tornou-se numa revolução não-sagrenta e pacífica.
Celeste Caeiro, foi a responsável pela denominação da Revolução dos Cravos. Celeste trabalhava num estabelecimento que tinha inaugurado no dia 25 de abril de 1973 e, por isso, celebrava um ano. No entanto, quando chegou ao trabalho, os seus patrões informaram-na que não iriam abrir portas, pois estava uma revolução a decorrer. A empregada seguiu o seu caminho para casa, com os cravos que, então, não tinham sido usados no aniversário. No seu percurso, na Rua do Carmo, cruzou-se com um soldado que lhe perguntou se esta tinha um cigarro. Celeste não tinha tabaco, a única coisa que tinha para oferecer eram cravos e assim fez, estes começaram a ser distribuídos pelos militares que, simbolicamente, os colocaram nos canos das suas armas, eternizando para sempre os cravos como símbolo da Revolução de Abril.
Durante a tarde muitos foram os desenvolvimentos da operação. Finalmente, às 18h20, o MFA informa o país, através da rádio, da rendição de Marcello Caetano e dos membros do seu governo. Finalmente, às 20h05 é feito outro comunicado que proclama a vitória do MFA.
“(…), o Movimento das Forças Armadas informa a Nação de que conseguiu forçar a entrada no Quartel da Guarda Nacional Republicana, situado no Largo do Carmo, onde se encontrava o ex-presidente do Conselho e outros membros do seu ex-Governo. O Regimento de Lanceiros 2, onde se recolheram outros elementos do seu ex-Governo, entregou-se ao Movimento das Forças Armadas, sem que houvesse necessidade do emprego da força que os cercava. A quase totalidade da Guarda Nacional Republicana, incluindo o seu comando e a maioria dos elementos da Polícia de Segurança Pública, já se renderam ao Movimento das Forças Armadas. O MFA agradece à população civil todo o carinho e apoio que tem prestado aos seus soldados, insistindo na necessidade de ser mantido o seu valor cívico ao mais alto grau. Solicita também que se mantenha nas suas residências durante a noite, a fim de não perturbar a consolidação das operações em curso, prevendo-se que possa retomar as suas atividades normais amanhã, dia 26. Viva Portugal!”
“Considerando que ao fim de 13 anos de luta em terras do Ultramar, o sistema político vigente não conseguiu definir, concreta e objetivamente, uma política ultramarina que conduza à paz entre os portugueses de todas as raças e credos; Considerando o crescente clima de total afastamento dos portugueses em relação às responsabilidades políticas que lhes cabem com cidadãos, em crescente desenvolvimento de uma tutela de que resulta constante apelo a deveres com paralela denegação de direitos; Considerando a necessidade de sanear as instituições, eliminando do nosso sistema de vida todas as ilegitimidades que o abuso do Poder tem vindo a legalizar; Considerando, finalmente, que o dever das Forças Armadas é a defesa do País, como tal se entendendo também a liberdade cívica dos seus cidadãos; O Movimento das Forças Armadas, que acaba de cumprir com êxito a mais importante das missões cívicas dos últimos anos da nossa história, proclama a Nação a sua intenção de levar a cabo, até à sua completa realização, um programa de salvação do país e da restituição ao povo português das liberdades cívicas de que tem sido privado. Para o efeito entrega o governo a uma Junta de Salvação Nacional a quem exige o compromisso, de acordo com as linhas gerais do programa do Movimento das Forças Armadas que, através dos órgãos informativos será dado a conhecer à nação, de no mais curto prazo consentido pela necessidade de adequação das nossas estruturas, promover eleições gerais de uma Assembleia Nacional Constituinte, cujos poderes por sua representatividade e liberdade na eleição, permitam ao país escolher livremente a sua forma de vida social e política. Certos de que a nação está connosco e que, atentos aos fins que nos presidem, aceitará de bom grado o governo militar que terá de vigorar nesta fase de transição, o Movimento das Forças Armadas apela para a calma e civismo de todos os portugueses e espera do país adesão aos poderes instituídos em seu benefício. Saberemos, deste modo, honrar o passado no respeito pelos compromissos assumidos perante o país e por este perante terceiros. E ficamos na plena consciência de haver cumprido o dever sagrado da restituição à nação dos seus legítimos e legais poderes”.
O período pós-revolucionário foi marcado por um clima de tensão e instabilidade política, tendo havido seis governos provisórios entre 1974 e 1976.
Pós-revolução:
Muita coisa mudou na sociedade portuguesa após o 25 de abril de 1974. As milhares de vozes que antes eram silenciadas tinham, finalmente, total liberdade para serem ouvidas, os presos políticos podiam ser libertados e, principalmente, os militares que representavam Portugal na Guerra Colonial podiam regressar a casa e às suas famílias. Este processo de democratização fez-se sentir em vários setores, como na educação, na cultura, no trabalho, na comunicação social, na economia e, principalmente, na sociedade e nas mentalidades.
A descolonização foi uma das principais mudanças do pós-revolução. Entre 1974 e 1975, Portugal reconheceu a independência das antigas colónias – Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Moçambique e Angola. Este foi um período de grande instabilidade social com a necessidade de integração dos retornados.
Havia a urgência da elaboração de uma Constituição que permitisse uma boa conduta política, económica e social, assim como coexistência dos vários partidos políticos. No dia 25 de abril de 1975 são realizadas eleições para a Assembleia Constituinte, podendo as mulheres votar pela primeira vez, esta foi uma das maiores conquistas da revolução.
O Partido Socialista saiu vitorioso com a eleição de 116 deputados, seguido do Partido Popular Democrático (PPD) com 81 Deputados, do Partido Comunista Português (PCP) com 30 Deputados, do Partido do Centro Democrático e Social (CDS) com 16 Deputados, do Movimento Democrático Português (MDP-CDE) com 5 Deputados, da União Democrática Popular (UDP) com 1 Deputado, e da Associação de Defesa dos Interesses de Macau (ADIM) também com 1 Deputado.
Entre o 25 de abril de 1974 e 1975, Portugal testemunhou uma intensificação radical da sua vida política. O período foi marcado pela renúncia de Spínola, presidente da Junta de Salvação Nacional (JSN), ainda em 1974, alegando que o país estava ingovernável e que havia o perigo iminente de uma ditadura de esquerda. Este tempo foi marcado pela nacionalização em massa de vários setores como a banca e várias indústrias. Paralelamente, avançaram ocupações de terras e implementação de reformas agrárias. Além disso, foi estabelecido o Conselho da Revolução.
O ponto de viragem no processo revolucionário só ocorreu após os eventos do 25 de novembro, que marcaram o início do fim do Processo Revolucionário em Curso (PREC), trazendo uma certa estabilização à situação política portuguesa.
Finalmente, a 2 de abril de 1976, a Constituição da República Portuguesa foi aprovada e entrou em vigor no dia 25 de abril desse ano. A Constituição de 1976 consagra direitos e deveres fundamentais como o princípio da igualdade, da liberdade, nomeadamente, a religiosa e de imprensa. Foram aprovados direitos laborais, sociais e culturais e instituídos órgãos de soberania, o Presidente da República, o Conselho da Revolução, a Assembleia da República, o Governo e os Tribunais.
A 25 de abril de 1976 realizam-se as primeiras eleições para a Assembleia da República. O PS obteve maioria relativa, acabando por eleger 107 deputados. Em julho, Mário Soares, líder do Partido Socialista, tomou posse como Primeiro-Ministro do I Governo Constitucional.
Apesar de ter sido alvo de várias revisões ao longo do tempo, a Constituição de 1976 vigora até aos dias de hoje.
As marcas eternas do 25 de abril de 1974:
O 25 de abril não foi apenas uma revolução política, foi uma revolução de ideias e de valores. Com a queda do Estado Novo, as correntes que aprisionavam o pensamento e a liberdade de expressão foram quebradas.
A Revolução dos Cravos, para o povo português, significa a crença de que um futuro melhor é possível. É um pilar fundamental da história do país, que mudou, para sempre, o seu rumo e os seus valores.
Atualmente, ainda encontramos marcas da Revolução de Abril na sociedade. Os cidadãos são livres, podem votar aos 18 anos, por exemplo, que foi um avançar gigante comparado com a época do Estado Novo, que eram poucas as pessoas que podiam votar. Podem dar a sua opinião sem medo de represálias, sair à rua como querem, com quem querem e quando querem.
25 de abril de 1974 ficará para sempre na memória dos portugueses como o dia em que o país renasceu e acordou democrático e livre.