Desde a ilha que a viu florescer ao mundo, mulher, mãe, esposa e trabalhadora, Dulce Sumares Jardim sempre lutou e correu atrás dos seus objetivos de vida.
Foi por volta das duas horas tarde do ano de 1970, no décimo segundo dia de dezembro na freguesia do Jardim do Mar, concelho da Calheta, no arquipélago da Ilha da Madeira que nasceu Maria Dulce Mendes Sumares Pereira Jardim, filha de Humbertina Mendes e de Ricardo Vicente Sumares Pereira.
No dia 11 de maio de 2024, aos 53 anos, Dulce abre o seu álbum de recordações na sua varanda e, aos poucos, recorda-se de vários episódios memoráveis da sua vida. Primeiramente, viaja até à sua infância na década de 70, na qual ingressou no mundo escolar pela primeira vez, iniciando a sua jornada na Escola Primária do Jardim do Mar, em 1976. Os trajetos percorridos até à escola eram curtos, mas alegres com as corridas e a companhia de um dos seus dez irmãos – a Lucília. No entanto, nem tudo eram rosas no ensino da época, Dulce relembra o rigor e severidade face aos erros ortográficos nos ditados, onde cada erro era seguido de uma bofetada como castigo por parte dos professores. Já no final da década de 70, nos últimos anos da primária, a perfilada compartilha uma história peculiar de uma das suas jornadas diárias até a escola, quando foi surpreendida por um cão, que a acabou por morder. Mesmo após o incidente, ela continuou o seu caminho a pé até ao destino, onde um professor a levou de mota até ao Centro de Saúde mais próximo, proporcionando-lhe a primeira experiência de andar neste meio de transporte, não obstante do medo sentido.
Na continuação da linha de recordações, Dulce é conduzida até à década de 80, a mais desafiante até à data, visto que ia para uma nova escola, a Escola Básica da Calheta, onde frequentaria o 5ºano. As primeiras impressões eram de espanto e admiração, na medida em que era uma menina de uma pequena freguesia e nunca tinha estado num estabelecimento como aquele, que reunia vários pavilhões, muitos alunos e cantina própria. Ao mergulhar profundamente nas memórias escolares, o desafio de apanhar autocarro diariamente e estudar para as disciplinas estava bem presente e tornava-se mais complexo devido à distância entre casa e escola e aos afazeres caseiros, o que contribuía para mais dificuldades em Matemática. À medida que os anos passavam, o grau de dificuldade escolar aumentava, culminando no impedimento de transitar para o seguinte nível de ensino.
A vida nem sempre sorriu, mas a vontade vencer era maior, assim, no ano de 1989 mudou-se para a cidade do Caniço, na Ilha da Madeira, na qual estagiou nas secções de lavandaria e quartos em diversos hotéis, nomeadamente Galomar, Rocamar e Alpino. Através deste estágio, desenvolveu novas competências, tais como engomar lençóis de grande dimensão mediante uma máquina chamada calandra e formas específicas de dobragem de conjuntos de cama e de casas de banho, que lhe seriam valiosos para próximas oportunidades de emprego. Após concluir o estágio, aos 20 anos de idade adquiriu o seu primeiro meio de transporte próprio, uma mota através da qual fazia a travessia desde casa, no Jardim do Mar até ao trabalho, no Hotel Jardim Atlântico, nos Prazeres, sendo que apesar da inexperiência, desempenhou a função de empregada de mesa, muito motivada pela credibilidade da sua aparência e tenra idade. Embora estivesse muito focada nesta oportunidade, a vida daria outra volta: a complicação na deslocação entre freguesias devido à avaria da sua mota, ocasionada pelas descidas íngremes e inclinadas das estradas que percorria. Como alternativa, começou a fazer o percurso a pé e, posteriormente, teve de alugar um quarto com condições precárias para garantir a sua permanência e proximidade ao local de trabalho, algo cómico quando refletido na atualidade.
Aos 26 anos, deixou permanentemente a sua terra natal e, ao retornar ao mundo do trabalho, começou como empregada de bar no Restaurante Camarão, localizado na Calheta, onde também pernoitava com uma idosa sob o cuidado dos patrões. Neste mesmo ano, no verão de 1996, conheceu o seu futuro esposo, João Manuel dos Ramos Jardim, enquanto lá trabalhava, que lhe fez uma proposta revolucionária que consistia na partida para Canárias, em Espanha, de modo a se estabelecerem e trabalharem juntos lá.
No outono de 1996, a biografada embarcava na maior viagem e experiência da sua vida ao aceitar a proposta de João e mudar-se para Tenerife, nas Ilhas Canárias, sítio que planeavam trabalhar juntos. No momento de chegada, Dulce relembra o momento que João foi buscá-la ao aeroporto e a saída para o almoço na área em que se iam estabelecer e passar a residir, Los Cristianos. A vida de Dulce começou a tomar forma ao estrear-se a trabalhar num hotel, sendo a responsável pelas limpezas das zonas comuns, de seguida, ao terminar o contrato, trabalhou num Centro de Reabilitação, onde havia quartos e clínicas. Foi neste Centro de Reabilitação que Dulce memora uma história curiosa, na qual dada a sua falta de domínio da língua e pouca comunicação, acabou por ser insultada como sonsa pelas colegas de trabalho locais, o que criou alguma tensão no dia a dia. Não obstante dos desafios enfrentados, tal como um incidente que causou fogo numa cozinha, visitou o Parque Nacional do Teide, que se encontrava repleto de neve, praias encantadoras, tal como a Praia de Las Américas e momentos felizes em churrascos com o seu esposo.
Dia 22 de agosto de 1998, data de casamento de João e Dulce, foi um capítulo marcante, visto que regressou propositadamente à Madeira para trocar votos na Igreja de São Pedro, no Funchal, celebrando a sua união perante pais, sobrinhos, irmãos, primos, tios e amigos. Mais adiante, regressou a Canárias e continuou a trabalhar na restauração por dois anos, regressando à terra natal no verão de 2000.
Determinada a construir o seu próprio caminho, juntamente com João, investiu no setor gastronómico, inaugurando ainda no verão de 2000 o restaurante marisqueira Rocha Mar, na Calheta, no qual geria e trabalhava no bar do mesmo. Anos depois, em 2003 iniciou um novo empreendimento com o esposo na capital da ilha, novamente no ramo da restauração estreando o restaurante Lareira Portuguesa, encarregada da gerência. Durante a residência no Funchal, engravidou em junho de 2004 do seu primeiro e único filho, interrompeu o seu estado laboral, porque sofreu de diabetes durante a gravidez, mas mesmo assim, sentiu-se extremamente realizada, dado que era um sonho desde pequena.
O dia 3 de março de 2005 tornou-se então uma das datas mais importantes na vida da perfilada, marcando o nascimento do seu filho, João Pedro Sumares Jardim. No entanto, a gravidez de Dulce não foi fácil. Necessitou de picar os dedos, de forma a medir o nível de glicemia no sangue, injetou insulina na barriga na fase final da gravidez e por fim, permaneceu internada no hospital com uma semana de antecedência ao nascimento dados os riscos associados.
Aquando dos 6 meses do seu filho, Dulce e João empreenderam novamente na restauração no Restaurante Convento das Vinhas, localizado na Calheta, concelho natal de ambos, que seria inaugurado em 2007. Esta mudança permitiu que se aproximassem da família e amigos, estabelecendo-se como residentes na região e com um dos restaurantes mais populares. Por outro lado, Dulce enfrentou um período difícil devido aos constantes desafios de saúde do filho, nomeadamente infeções urinárias. Assim sendo, aos 9 meses Dulce e João, juntamente com a sua mãe Humbertina, partiram para o Hospital de Medicina Nuclear de Almada, de modo a detetar alguma anomalia no bebé, que não foi o caso.
Numa visão mais atual do percurso de vida, desde o nascimento de João Pedro, Dulce encarou o falecimento do seu cunhado em 2015, da sua mãe em 2016, e do seu irmão em 2020. Contudo, viajou com o seu filho e esposo diversas vezes e continua a aproveitar as oportunidades que a vida lhe oferece todos os dias, alegrando-se com as conquistas académicas do seu filho. Recentemente, teve o privilégio de testemunhar o casamento do seu irmão mais novo, Orlando, com a sua recém-cunhada Vera, a 24 de abril de 2024, reencontrando o seu filho e viajando acompanhada dos seus quatro sobrinhos, António Maria, João, Constança e Lourenço num evento inesquecível e emocionante para a família Mendes Sumares Pereira.
Dulce finalmente fecha seu álbum de recordações e, ao apreciar a vista da natureza calhetense através de sua varanda, reflete sobre a efemeridade da vida, reconhece as lutas que enfrentou para alcançar seus objetivos e a saudade que sente por aqueles que já partiram. Nesse momento, uma frase ecoa na sua mente: “Que sejamos livres, loucos, leves e felizes”, palavras que inspiram a encarar a vida da melhor forma possível, mesmo diante dos obstáculos que surgem na caminhada. Num entendimento geral, acredito que enquanto estivermos aqui, devemos apresentar-nos da melhor maneira possível, abraçando cada momento com coragem, leveza e alegria.