“Teremos o direito de deixar milhões de concidadãos para trás?” -A língua portuguesa como língua do conhecimento
MARTINS, M. de L. A língua portuguesa como língua de ciência – o caso português. Todas as Letras
Revista de Língua e Literatura, São Paulo, v. 25, n. 2, p. 1-15, maio/ago. 2023. DOI 10.5935/1980-6914/eLETDO16151
Moisés de Lemos Martins
https://orcid.org/0000-0003-3072-2904
O presente artigo científico, A Língua Portuguesa Como Língua De Ciência – O Caso Português, é da autoria de Moisés de Lemos Martins, um importante sociólogo, professor universitário, investigador e ensaísta, portador de vários prémios baseados na sua área de investigação, a lusofonia, as ciências sociais e humanas e particularmente, neste caso, nas línguas de ciência e na política científica. Este artigo foi então publicado no ano de 2023, com o objetivo de abrir horizontes para que a língua portuguesa seja, em todas as suas variedades, vista como língua de conhecimento. Moisés de Lemos Martins debate desta forma, o papel da língua portuguesa no universo científico, contrapondo-o com as políticas científicas oficiais de Portugal, que optam constantemente pelo inglês como língua de ciência. O autor neste artigo, propõe uma visão, uma ideia prospetiva da Lusofonia, defendendo assim, a utilização da língua portuguesa como língua de conhecimento e apoiando que a comunidade lusófona pode sem dúvida, tornar-se num local perfeito e privilegiado onde possa existir a produção e disseminação do saber, sendo um meio para o fortalecimento da comunidade académica lusófona.
O autor neste artigo, acaba por abordar diversas situações, Martins elabora uma proposta sobre a Lusofonia, sendo esta “a de um sonho de comunidade académica”, que possua como suporte a língua portuguesa e também como seu espaço de eleição os povos que falam esta mesma língua, incluindo as suas diásporas e culturas. De tal modo, como o próprio autor afirma no seu estudo, esta proposta consiste em que um determinado “sonho geolinguístico de uma comunidade transnacional e transcultural lusófona, tenha como desafio científico pensar e conhecer em português” (Martins; Macedo, 2022). Assim, Moisés de Lemos Martins, pretende promover a língua portuguesa como língua de ciência, a construção então de uma comunidade lusófona como espaço transnacional e transcultural de conhecimento, através do exercício da cidadania por parte da população e da construção da memória histórica nestes mesmos países de língua portuguesa, pois são os seus “legítimos coproprietários”, como o autor os designa, sendo que a possuem como a sua língua materna. Martins tenciona também promover as contradições provindas das políticas científicas portuguesas relativamente às línguas de publicação e cooperação científica e as consequências que esta atitude carrega na produção do conhecimento e claro, na identidade científica dos países lusófonos. Martins defende que a língua portuguesa deve ser reconhecida como língua de ciência, indeferindo a preferência atribuída ao inglês. O autor argumenta que a promoção da nossa língua, da lusofonia, é bastante necessária para o desenvolvimento de uma comunidade académica transnacional e transcultural, tal como já vimos, baseada nas comunidades que partilham a língua portuguesa como língua oficial (CPLP) e nas suas diásporas. Além disso, Martins critica a política científica em Portugal como o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), por atribuírem primazia às parcerias com instituições americanas e inglesas, em detrimento de optarem por parcerias com países de língua portuguesa e ibero-americanos. O autor aponta que esta política científica a qual constitui o nosso país, contribui para o empobrecimento das próprias línguas, que, tal como ele desenvolve, “sendo línguas de culturas e de pensamento, são cada vez menos, todavia, línguas de conhecimento.”. A subalternização científica dos povos que falam determinada língua, significa uma subalternização desses mesmos povos, tal como das suas línguas e culturas, ou seja, toda esta situação, contribui para uma marginalização da língua portuguesa e das comunidades científicas lusófonas e ibero-americanas, tornando mais pobre e mais fraca a diversidade e pluralidade cultural. No entanto, não apenas marginaliza as restantes línguas, como inclusive, promove um modelo hegemónico de pesquisa apoiado em categorias objetivas e bastante rígidas, não atendendo a abordagens mais compreensivas provindas das ciências sociais e humanas.
O artigo científico em causa, trata, portanto, a questão da língua portuguesa como língua de ciência, principalmente em Portugal, contrastando-a neste caso, com o domínio da língua inglesa no contexto em questão. O autor inicia este artigo, com a proposta de um ideal de comunidade académica lusófona, onde o português é a língua central. Além disso, destaca a relevância histórica e cultural dos países de língua portuguesa, argumentando assim, que o conhecimento produzido nessas nações deve ser valorizado. Ao longo deste estudo, o autor critica a política científica em Portugal relativa às línguas de ciência e as suas consequências, que no nosso país, valorizam e favorecem o inglês como a única língua de ciência reconhecida, desconsiderando assim, o português neste campo académico. Moisés de Lemos Martins confirma ainda que este tipo de política científica da FCT, ao longo dos anos tem vindo a enfraquecer o desenvolvimento das agendas científicas específicas dos países lusófonos e ibero-americanos. Por outro lado, as consequências nefastas em geral, para as Ciências Sociais e Humanas e em particular para as Ciências da Comunicação vão sendo reveladas, relativamente à predominância e imposição da língua inglesa como língua única e exclusiva da ciência.
Através do estudo que Moisés de Lemos Martins nos apresenta, é bastante clara e percetível a sua posição relativa ao tema que ele próprio trata. Martins apresenta os seus argumentos de uma forma clara e bem estruturada. Primeiramente o autor fala da sua proposta sobre Lusofonia. Seguidamente, Martins trata o conceito de campo social (Bourdieu, 1976), mencionando que vários campos, como o da economia, da escola, da cultura, entre outros, fazem parte deste conceito desenvolvido por Bourdieu. O autor vai convocando certas expressões de Bourdieu como ordenação simbólica do mundo, de modo a explicar como na ideia de Lusofonia se pratica uma luta simbólica pela divisão da comunidade internacional em áreas culturais, portanto, esta ideia compreende o combate pela tal ordenação simbólica do mundo. Martins, vai também referindo várias obras por ele produzidas, incluindo Lusofonia e interculturalidade: promessa e travessia (Martins, 2015a). Seguidamente, o autor referencia que este sonho de comunidade lusófona do qual tanto fala, atualmente tem maiores possibilidades, através das tecnologias da informação às quais temos acesso, ao passo que, no passado era impossível e nem se suspeitava que se pudesse tornar realidade. Martins entra num capítulo onde aborda então, “A Política Científica em Portugal sobre as Línguas de Ciência e as suas consequências”, é neste momento do seu estudo, no qual ele expõe as suas críticas relativamente às políticas científicas portuguesas que já mencionei anteriormente e à exclusão de vozes e perspetivas lusófonas e ibero-americanas, que enfraquecem desta maneira, as comunidades científicas lusófonas e perpetuam as desigualdades.
O autor aborda o exemplo do ano de 2011, onde o “Conselho Científico das Ciências Sociais e Humanidades (CCCSH) da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), presidido por José Mattoso, entidade que elaborou um programa relativo à estratégia científica nacional, a aplicar até 2020, com vista no desenvolvimento e na consolidação desta vasta área científica. Porém, João Miguel Marques da Costa, professor da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa, achou que existia uma razão para que fosse feito um reparo no que dizia respeito às escolhas estratégicas de cooperação académica definidas pela unidade de investigação em questão, motivo este que se espelhava no facto de se verificar a presença de redes de colaboração com instituições de investigação principalmente no espaço lusófono e claro, ibero-americano. Assim, o autor critica a predominância de paradigmas científicos anglo-saxónicos na avaliação e financiamento de projetos de pesquisa no nosso país, em detrimento de outras abordagens mais transculturais e compreensivas. Neste artigo o autor examina a relação estabelecida entre a ciência, a linguagem e o poder, destacando a importância das Ciências Sociais e Humanas (CSH) neste contexto.
Martins menciona que as Ciências da Comunicação, por exemplo, em 1997/1998, tinham criado “a sua associação nacional, a Associação Portuguesa de Ciências da Comunicação” e nesses mesmos anos, avançaram “com os seus parceiros brasileiros, galegos e moçambicanos, para a constituição da Federação Lusófona de Ciências da Comunicação (Lusocom).”, revela Moisés de Lemos Martins. Esta foi uma época de glória para a Lusofonia, contudo a FCT, sempre viveu intrincada em contradições irremediáveis e uma situação como esta, não aconteceu nem com os países lusófonos, nem com os ibero-americanos, nem com os da bacia mediterrânea, que o Governo português estabeleceu os acordos de cooperação científica. Martins discute as iniciativas de cooperação científica entre Portugal e instituições americanas, contrastando-as com a falta de cooperação com países de língua portuguesa e ibero-americanos. Aliás, o autor afirma ainda, que caso alguém encontrasse na constituição dos painéis de avaliação, investigadores latinos, tratava-se de investigadores que integravam as redes anglo-saxónicas de pesquisa. Martins aborda ainda que, a FCT “tem dificultado a constituição de equipas de investigação lusófonas e ibero-americanas alargadas (…)”. O autor destaca a importância da cooperação académica com os países lusófonos e ibero-americanos, assim como a necessidade de reconhecer e valorizar a diversidade linguística e cultural dessas regiões. Este artigo apresenta um excelente gau de utilidade para a comunidade, pois, acaba por incentivar a uma reflexão sobre a valorização dos países lusófonos. Na sua nota conclusiva, o autor sustenta os seus argumentos, referindo o seu próprio exemplo, entre 2019 e 2022, quando liderou duas equipas experimentadas de investigadores de vários países de língua portuguesa, submeteu a concursos, abertos pela FCT, quatro projetos de investigação relativos a questões específicas dos países lusófonos e que se fossem aprovados, muito iriam contribuir para promover a cooperação científica nestes países, porém, foram todos recusados. Desta forma, Martins cimenta, “Na realidade, não correspondiam ao paradigma hegemónico de fazer ciência, adotado e imposto pela FCT como política científica, inclusive nas Ciências Sociais e Humanas.”.
Ora, Margarita Correia, aborda no Diário de Notícias, exatamente este tópico, onde afirma que a maioria da produção científica portuguesa, é realizada em língua inglesa, vista atualmente como a verdadeira língua da ciência e da tecnologia. No entanto, também menciona que através desta prática, “não se pode descurar os impactos negativos que ela tem, e.g. sobre a extensa comunidade de falantes de língua portuguesa, para quem o português é a língua de ensino (…)” (Diário de Notícias, 2020). A autora ainda recorda que, mesmo que não houvesse razões para publicar em português, apenas bastava lembrar de quem não percebe outra língua se não a sua e sem dúvida, que este é um pensamento fundamental no que toca esta matéria da língua de ciência.
Em suma, o autor oferece uma crítica pertinente à política científica em Portugal, destacando a importância da valorização da língua portuguesa e da promoção da cooperação académica dentro da comunidade lusófona. Martins critica a predominância da língua inglesa e propõe uma abordagem mais inclusiva e diversificada que reconheça e promova a pluralidade linguística e cultural no campo científico. Este é um tema necessário de ser consolidado na comunidade e deve sem dúvida ser mais abordado. A forma como Moisés de Lemos Martins nos transmite de forma tão impetuosa a sua defesa pela valorização da língua portuguesa como língua de ciência e do conhecimento, e a sua crítica relativamente às práticas científicas hegemónicas, fornecem ao leitor gatilhos valiosos para os que sejam interessados no progresso da diversidade linguística e cultural, na produção do conhecimento científico.
BIBLIOGRAFIA
BOURDIEU, P. Le champ scientifique. Actes de la Recherche en Sciences Sociales, v. 2, n. 2/3, p. 88-104, 1976.
MARTINS, M. de L. (ed.). Lusofonia e interculturalidade: promessa e travessia. Famalicão: Húmus, 2015a. Disponível em: https://hdl.handle.net/1822/39693.
CORREIA, M. (2020, julho 20). O inglês, o português e a ciência. Diário de Notícias. Disponível em: https://www.dn.pt/opiniao/opiniao-dn/convidados/o-ingles-o-portugues-e-a-ciencia-12444286.html/