Stefania Bueso- A alma da Tatuagem
O início de Stefania
Situado no centro da cidade da Figueira da Foz, o estúdio Poison Tattoo transforma-se diariamente num cosmos artístico onde se trabalha a arte de tatuar através das mãos e dos olhos de Stefania Bueso. Tatuadora de 36 anos e considerada por ela própria e pelo seu público uma artista, nasceu em San Juan de Porto Rico. no país com o mesmo nome. Tem dupla nacionalidade, porém sente-se mais perto de Portugal, onde foi criada “Considero-me mais portuguesa do que propriamente americana” afirma.
No princípio de uma manhã de sábado dia 10 de março, Stefania prepara-se para mais uma sessão de tatuagem e enquanto isso, vai revelando e dialogando acerca da sua vida e profissão.
Ao redor há todo um ambiente do universo desta artista, desde paredes escuras, a combinações contidas em cada um dos quadros e telas suspensos na parede, inclusive uma Mona Lisa tatuada. Porquê uma peça como esta? Stefania confidencia uma lenda bastante misteriosa. “Todos conhecemos o quadro da Mona Lisa pintado por Leonardo da Vinci, que se encontra exposto no museu do Louvre em Paris”, começa por explicar. “No mundo da tatuagem, conta-se uma lenda bastante interessante, na qual certo dia, durante a noite, um grupo de rebeldes invade o museu com o objetivo de fazer uma intervenção na galeria como forma de protesto à monotonia da arte tradicional”, continua. “Desta forma, com a sua paixão e habilidade pela arte, começaram a criar a sua própria versão da Mona Lisa. No entanto, ao invés de a pintarem, eles tatuaram-na usando tinta temporária e técnicas de tatuar inovadoras. Assim, a Mona Lisa foi transformada por esta rebelião numa obra de arte moderna e bastante provocativa aos olhos da sociedade”. Segundo Stefania, no dia seguinte, todos ficaram estupefactos ao olhar para aquele quadro. A notícia espalhou-se rapidamente e aquela Mona Lisa tornou-se famosa, fazendo com que as pessoas se aglomerassem ao seu redor para adorar aquela obra de arte.. Por isso, para Stefania esse quadro é ao mesmo tempo uma referência e uma inspiração. “Apesar de toda a polémica e críticas provenientes dos curadores de arte, esta Mona Lisa, trouxe vida a todo aquele museu e ainda provocou discussões relativas à natureza da arte e de toda a criatividade. Um quadro que se tornou desafiante para o mundo a vários níveis e que funcionou como inspiração de novas formas de existência do mundo artístico, portanto, claro que este é um símbolo que teria e que preciso de ter no meu espaço artístico.”
Um universo artístico repleto de adereços combinatórios com este tipo de arte e com a alma desta tatuadora, inclusive objetos místicos, assustadores e fantásticos, como a boneca que se encontra no topo de uma vitrine. “É a protagonista do filme Annabelle, um dos meus filmes de terror preferidos.”
Stefania Bueso, com uma carreira já de doze anos na área da tatuagem, partilha o seu caminho desde o início indicando que “nos primórdios não era nada fácil”, até ao momento em que se converteu numa referência respeitada no setor.
Uma artista autodidata revela o seu elo de ligação com as artes desde a sua infância, na qual a sua mãe enquanto pintora, deixou uma marca importante. “Eu nasci em Porto Rico, o meu pai era português e a minha mãe porto-riquenha, porém, os meus pais decidiram regressar a Portugal tinha eu seis anos de idade”, conta a artista. Inicialmente, Stefania viveu na cidade de Coimbra, depois mudou-se juntamente com os seus pais para a cidade da Figueira da Foz, onde reside desde então e tem o seu próprio negócio. É uma mulher cuja família se encontra tal como ela destaca, “bastante dividida pelo mundo.”.
A escolha de Poison Tattoo para o seu espaço deve-se à raridade do nome em pesquisas alargadas. “A escolha do nome para o estúdio, posso admitir que não foi tarefa fácil, pois queria algo que ficasse no ouvido das pessoas e que realmente ecoasse dentro deles.” Desta forma, Stefania Bueso tem, claramente, uma justificação pronta para proferir relativamente ao título. “Sabemos que a tatuagem é algo permanente, ou seja, que fica marcado no nosso corpo para a vida. Portanto, acaba por ser semelhante a um veneno que da mesma forma, também assume com o nosso corpo uma relação fatal”, explica. E prossegue: “Visto que sou uma pessoa com uma mente bastante fértil e o meu ex-marido também o era, em conjunto, considerámos Poison, que significa veneno em português, como uma metáfora perfeita para o carácter permanente das tatuagens..”
Stefania realizou toda a sua escolaridade em Portugal e seguiu um ensino artístico.
Uma tatuadora apaixonada pelo que faz, embora inicialmente fosse algo que a apavorava um pouco. Stefania ingressou neste universo há já alguns anos quando o seu ex-marido considerou boa ideia arrancar com este negócio da tatuagem. Atualmente a Stefania é divorciada e tem um filho com catorze anos, o Rodrigo, “um amor de rapaz” sussurra ela em tom de mãe babada. Mesmo com todos os receios que sentia relativamente a este mundo, “agarrei-me de corpo e alma a esta profissão e atualmente não me vejo de todo, a fazer outra coisa se não a tatuar.”.
A confiança em si mesma foi algo que surgiu com o tempo e com a prática. “Estamos a falar de algo que é permanente, sendo que uma pessoa fica sempre um pouco nervosa, pelo menos até conseguir cativar a confiança das pessoas. Então, ao longo dos anos, consegui com muito esforço, desenvolver todo este trabalho a ponto de ser o meu trabalho atual e único.” E Stefania continua afirmando “Desta forma, com o passar dos anos, fui perdendo o medo e fui ganhando confiança em mim mesma. Além disso, os clientes foram estabelecendo igualmente uma relação de confiança comigo e pronto, a palavra vai passando e desta forma, tenho mantido o meu negócio até aos dias de hoje.”.
Inspirada pelo trabalho de outros artistas da sua área, como Múmia da Figueira da Foz, ela procura constantemente a melhoria do seu trabalho. É apaixonada pelo realismo, uma das técnicas que mais a satisfaz na tatuagem, mais especificamente o realismo a sombra. “Não tenho apenas um estilo específico de tatuagem, porque, no meio onde eu trabalho, tenho de abranger um pouco de cada estilo de modo a conseguir satisfazer o público no geral.”
Durante todo o processo de tatuar, inicialmente Stefania avalia a ideia do cliente, conversam ambos sobre o assunto, elabora depois um projeto e chega a um acordo fornecendo a opinião pessoal, de acordo com aquilo que é pretendido. Tem sempre de existir um esboço inicial, antes de se proceder à realização da tatuagem, de acordo com a tatuadora.
No que toca a este mundo artístico, todo o cliente deve questionar o tatuador relativamente às suas práticas de higiene e segurança no trabalho e sobre o material por ele utilizado. Stefania partilha os bastidores do seu espaço, dando ênfase à importância de uma boa higienização e segurança no seu trabalho. “Utilizo sempre material descartável, cada agulha destina-se a cada cliente, não existe reutilização de coisa alguma no meu espaço. A desinfeção é feita previamente, colocada toda uma proteção descartável de modo a ter a mesa pronta para trabalho.” A tatuadora explica ainda que “Tudo o que estiver em contacto com o cliente, é plastificado e protegido de modo que o cliente seguinte, não tenha qualquer tipo de contaminação cruzada. Utilizo e gosto muito das agulhas Stigma.”.
Tatuagens caricatas
Nesta área, “existem sempre boas histórias para serem contadas”, confidencia, assim como alguns trabalhos mais caricatos que, por vezes, vão aparecendo. “Talentosa, engraçada e genuína”, elogios proferidos pelos clientes, Stefania Bueso recorda uma história caricata com um cliente. “Tenho um amigo meu que, do nada, resolveu vir fazer uma tatuagem, que consistia numa mistura de uma granada com um abacaxi. Eu perguntei-lhe a razão de querer tatuar esta combinação estranha, ao qual ele me respondeu que simplesmente era porque o abacaxi lhe rebentava a boca toda quando o comia. Portanto, achou que seria uma boa ideia tatuá-lo.” Outros exemplos são as tatuagens em zonas do corpo menos habituais, as quais Stefania apenas realiza em mulheres.“ Embora não seja muito comum pedirem para tatuar essas áreas, acontece”. Por exemplo quando algumas mulheres pedem-me para tatuar uma malagueta na região da zona genital e sentem a necessidade de me dizer que é apenas porque gostam de ver e que é para elas próprias. Ou até mesmo as típicas patinhas de gato nessa região e muitos outros exemplos que me vão aparecendo ao longo dos anos.” Desde tatuagens caricatas e episódios engraçados a pessoas de renome. Hugo Almeida, um célebre jogador de futebol, foi uma das celebridades com o privilégio de passar pelas mãos desta profissional.
Stefania também recorda que, “infelizmente, ainda surgem bastantes pensamentos retrógrados e comentários depreciativos relativamente à arte de tatuar”, com os quais ela lida de uma forma leve. “Atualmente já não ligo tanto, rio-me e não faço caso da situação, pois sei e tenho a consciência que essa pessoa não tem conhecimento sobre o assunto e nem vou perder o meu tempo a tentar explicar algo a alguém que nem sequer quer aprender mais sobre o tema.”
Público-alvo e cuidados a ter com uma tatuagem
No que diz que respeito ao público-alvo, surge a dúvida se os tatuadores por norma, recebem mais homens do que mulheres ou vice-versa. “Creio que varia um pouco consoante o tatuador, porque, por exemplo, nós mulheres acabamos por receber um público mais feminino e, por norma, os homens acabam por receber um público mais masculino.” Esta artista destaca ainda o facto de a profissão ser “de marés”, ou seja, “existem alturas do ano em que tem imenso trabalho e outras que não tem toda essa afluência. Desta forma, em média, poderei tatuar 3 pessoas por dia, dependendo dos trabalhos e da duração de cada um.”.
Stefania atenta que uma tatuagem deve ser cuidada e tratada com muito respeito e cuidado. “Temos de ter a noção que a tatuagem, caso não tenha todos os cuidados necessários após a sua realização e uma plena cicatrização, pode trazer consequências futuras a nível de saúde, e daí a melhor época para as executar, ser o inverno. Desta forma, não temos o corpo tão exposto aos raios ultravioletas, a fatores mais nocivos, a atividades balneares, portanto tudo isso depois, prejudica tanto a cicatrização, como a saúde da pele, ou até mesmo o resultado da tatuagem. Assim, se a tatuagem não for cicatrizada corretamente e com todos os cuidados exigentes, podem realmente ser nocivas para a saúde.”
Uma mulher latino-americana e com uma família grande e bem distribuída, parte dela apoia a sua profissão, enquanto a outra parte não o faz. Já tatuou vários membros da família e sente-se orgulhosa. Stefania, ao longo destes 12 anos de carreira, enfrentou claramente diversos desafios, desde lidar com clientes indecisos, até enfrentar vários tipos de comentários acerca da profissão.
É a gratidão de ver a felicidade dos seus clientes e o orgulho no seu trabalho que a compele a superar todos os obstáculos e a alcançar novos patamares de sucesso. Entre todos os projetos realizados, existe um que realmente sente orgulho. “Tenho vários projetos dos quais me sinto orgulhosa, porém, posso salientar umas costas que fiz com um leão, posso dizer que foi dos trabalhos que mais emoção me deu ao fazer, foi super desafiante, gostei imenso do resultado final assim como a cliente. Sem dúvida que me orgulho daquele trabalho.”
O mundo e o negócio da arte de tatuar é considerado, por Stefania, difícil de gerir em Portugal. Ainda assim, esta mulher de garra, problematiza algo de maior dimensão. “É difícil manter este tipo de negócio em Portugal e o que acho ainda mais difícil, é ser mulher nesta área.” Surge a questão de porquê ser considerado mais difícil o facto de ser mulher, à qual Stefania retribui. “Porque esta é uma profissão maioritariamente masculina existem muitas dúvidas relativamente a mulheres neste setor. Apesar de existirem excelentes profissionais, ainda somos muito descredibilizadas, o que é triste.” Stefania revela que a atividade da tatuagem é um mercado em crescimento. “Pessoalmente, considero que esta indústria está a evoluir muito rápido e estamos a facilitar muito o acesso a esta profissão. Atualmente qualquer pessoa tem acesso aos materiais e faz este tipo de trabalho. A maioria destas pessoas não tem formação nem cuidados higiénicos, o que se torna bastante perigoso.”
Um olhar sobre o futuro
Ao olhar para o futuro, Stefania expõe o seu objetivo de vida. “O meu maior sonho é expandir o meu negócio, a ponto de conseguir ter várias pessoas a trabalhar para mim, vários tatuadores que consigam satisfazer o público em geral, cada pessoa no seu estilo.” Apesar dos desafios, parece otimista e determinada a continuar todo este projeto e a eternizar a sua marca neste universo da tatuagem.
Stefania destaca a importância da autenticidade, da persistência e da paixão na procura pela excelência neste meio artístico, uma vez que sempre foi esse o seu segredo. A história de Stefania recorda que, em cada tatuagem, existe uma narrativa única, assim como uma conexão humana que transcende as fronteiras da pele.