[Reportagem de Ana Vasconcelos e Diana Cunha]
Cátia e Inês têm oito anos de diferença, Inês e Leonor têm nove, Afonso e Alexandre têm 13. Estas seis pessoas partilham as experiências de vida e dão a conhecer a sua relação entre irmãos.
A parentalidade entre irmãos surge quando, em circunstâncias diversas, um irmão assume um papel de cuidado ou orientação em relação ao outro. Em algumas famílias, esse papel pode ser desempenhado devido à ausência dos pais, enquanto em outras, é uma escolha natural guiada por uma profunda conexão fraternal. Esta forma de parentalidade reflete que os laços de sangue são fortes e que podem adaptar-se perante desafios.
Inês e Leonor Morgado têm nove anos de diferença. Inês, agora com 24 anos, conta que quando a sua irmã nasceu, deixou de dedicar o seu tempo todo às “brincadeiras” e passou a tomar conta da irmã. Quando os pais trabalhavam, as duas ficavam ao encargo dos avós, mas pela sua idade avançada, Inês sentia-se na obrigação de olhar pela irmã, o que acabou por fazer com que ela crescesse mais rápido do que o que era suposto. Leonor Morgado tem 15 anos de idade e desde a perda da mãe, quando tinha apenas nove anos, a irmã ocupou um papel significante na sua vida.
Cátia e Inês Rodrigues partilharam durante muitos anos o mesmo quarto e apesar da diferença de oito anos sempre tiveram uma relação forte. Cátia sempre desejou “ter uma irmã, ou seja, uma companhia”. Ao longo dos 20 anos de Inês, acompanhou sempre o seu crescimento. Este é um caso onde a escolha de guiar uma irmã, surge naturalmente pela sua união.
Afonso e Alexandre Rijo têm uma diferença de 13 anos e com os pais divorciados sempre procuraram apoio um no outro. Contudo, a grande diferença de idades “foi assustadora por um lado e ao mesmo tempo desafiadora”, afirma Afonso.
Educação: “tenho de fazer as coisas bem feitas que é para ela também as fazer bem e tentar não errar muito”
Quando existe uma grande diferença de idades, o irmão mais velho pode participar na educação do mais novo. Contudo, a educação dada pelos pais pode se diferenciar de um irmão para o outro.
Para Cátia Rodrigues, “a educação foi muito igual, muito semelhante”. “Não notei diferença nenhuma. Sempre foram muito rigorosos connosco no que diz respeito à educação”, afirma. Por passarem muito tempo juntas, principalmente quando eram mais novas, acredita que tenha desempenhado um papel importante na educação da irmã. E acrescenta: “Sem dúvida alguma que tudo o que eu fazia tinha influência nela, ou seja, quando são crianças, têm sempre tendência a imitar o que nós fazemos e a seguirem os nossos passos. Eu senti uma grande responsabilidade, do género “tenho de fazer as coisas bem feitas que é para ela também as fazer bem e tentar não errar muito”.”
Afonso Rijo tenta “sempre orientá-lo nas diversas áreas da vida”. Porém, com uma diferença de idade tão grande, reforça que as condições de vida eram diferentes, mas a educação prevaleceu a mesma, sem nenhuma restrição.
Apesar destas duas experiências, Inês Morgado reconhece que a educação não foi igual para ambas. “Foi totalmente diferente, sinto que eles comigo foram muito mais rígidos a nível de educação. Com ela deixaram-na muito mais livre e, por exemplo, sair de casa para ir ter com amigos, comigo foi muito difícil só para aí com 16/17 anos é que pude sair de casa sozinha. Ela, por exemplo, com 12-13 anos, já podia fazer isso.”
Responsabilidade: “[…] muitas vezes os pais tendem a comparar irmãos e esse é um dos maiores erros.”
À medida que os irmãos compartilham o percurso da vida, desde os primeiros passos até aos desafios da idade adulta, a responsabilidade assume diversas formas. Para além das tarefas do quotidiano pode abranger o apoio emocional, a orientação e a construção conjunta de memórias.
Leonor Morgado vê a sua irmã mais velha como um exemplo a seguir. “Com os conselhos que ela me dá acaba por me dar a perspetiva dela acerca de certas coisas que me ajudam a fazer certas escolhas.” No entanto, a sua irmã não sente pressão em ser um exemplo que ela deva seguir. “Eu não tenho muito essa pressão, sinceramente, não tenho muito essa pressão de ser um exemplo. Eu sou como sou e ela deve seguir o que quer.”
A relação de Afonso e Alexandre, apesar da situação de vida e familiar que se encontram atualmente (pais divorciados) tenha sido com intenção ou sem intenção, acaba sempre por ter uma perspetiva de função parental. “Sinto que ele sabe que pode contar comigo para tudo e sabe que eu vou tentar dar os melhores conselhos possíveis”, afirma Afonso.
Alexandre vê o seu irmão como uma figura parental, “é como um segundo pai, se não primeiro”. Antes de tomar uma decisão, procura a opinião do irmão para fazer a escolha certa.
Para Inês Rodrigues os conselhos da irmã são fundamentais, sendo que, quando estava na indecisão do que estudar no ensino superior, foi Cátia que a ajudou a compreender aquilo que ela queria seguir. Inês acrescenta ainda que a irmã é um exemplo pessoal. “É literalmente aquilo que eu quero ser. Não é inveja, é completamente diferente. Da mesma forma que ela consegue eu também quero conseguir e faço para isso. Ela é mesmo o meu exemplo de vida.”
Filipa Sousa Macedo que é psicóloga no Agrupamento Escolas Irmãos Passos em Matosinhos, onde trabalha diariamente com crianças, explica como a parentalidade entre irmãos pode afetar negativamente o irmão mais novo.
As responsabilidades podem ser atribuídas tanto aos irmãos mais velhos como aos mais novos, dado que os pais podem acabar por incutir a responsabilidade do mais novo seguir os passos do irmão. “Aquilo que eu sinto que acontece muitas vezes entre irmãos, é que existe uma maior responsabilidade, sim. Ou melhor, é incutida uma maior responsabilidade ao irmão mais novo. No sentido de ele não repetir os mesmos erros ou até ter a responsabilidade de ser como o irmão mais velho, por exemplo, em ter boas notas.”, declara.
Um problema que foi levantado pela psicóloga é que “muitas vezes os pais tendem a comparar irmãos e esse é um dos maiores erros. Cada criança é uma criança, […] cada indivíduo é um ser especial e único, cada um de nós vai se desenvolver ao longo do tempo mediante o seu tempo e a sua personalidade.”
“Nunca se deve comparar irmãos, independentemente da idade, das competências de cada um, do desenvolvimento motor e cognitivo de cada um”, afirma Filipa Sousa Macedo.
Os pais sem se aperceberem podem causar uma pressão psicológica sobre o seu filho mais novo, quando pretendem que siga o mesmo caminho que o irmão, com a utilização da típica frase, “Tens que ser como o teu irmão!”. Esta ação por parte dos pais “acaba por ser uma auto regulação emocional daquela criança.” Isto pode causar um impacto negativo a longo e médio prazo.
Além disso, a criança “vai tentar ao máximo ser como o irmão e se não tiver capacidades […] o que vai acontecer é que se vai sentir frustrada e isto ao longo do tempo revela insegurança. Vai deixar de ser segura de si mesma e das suas capacidades quando se calhar, pode não ser como o irmão, mas pode ter outras capacidades tão boas ou melhores.”
Vantagens e Desafios: “não há nada mais valioso do que vermos os nossos irmãos a crescerem pelos caminhos certos”
Crescer com irmãos oferece a oportunidade de compartilhar alegrias, aprender uns com os outros e construir memórias. Apesar disso, enfrentar desafios é uma parte inevitável da parentalidade entre irmãos. À medida que vão crescendo surgem desafios, conflitos e diferenças de personalidade que se podem manifestar.
Os três irmãos mais velhos destacam algumas vantagens da sua relação com os irmãos. Para Inês Morgado “amadurecer mais rápido” revelou-se uma vantagem. Afonso que a nível de idades é o mais velho, vê como principal recompensa a “atualização constante de tudo o que envolve tecnologia, redes sociais, porque já estou um bocado para trás e assim estou sempre em cima do acontecimento. E ao mesmo tempo ter uma visão mais jovem da vida, outra perspetiva das coisas.” Na perspetiva de Cátia, “não há nada mais valioso do que vermos os nossos irmãos a crescerem pelos caminhos certos”.
Joana Pires é psicóloga especializada em parentalidade e expõe o impacto psicológico para irmãos que assumem funções parentais. Os irmãos mais velhos quando começam a “tomar” conta dos mais novos podem “negligenciar as suas próprias necessidades e tendem a demonstrar dificuldade ou evitamento na procura de atenção, ajuda e cuidado por parte dos outros”. Representar um papel tão importante pode o levar a sentir uma pressão social/familiar, em “assumir que tem de ser capaz de resolver os seus problemas e os das outras pessoas”. Porém, em alguns casos, “isto pode ajudar a promover e desenvolver a sua autonomia e capacidade para lidar sozinho com situações futuras”, explica Joana Pires.
Segundo a psicóloga, o desenvolvimento emocional de cada irmão pode ser afetado de forma diferente. O irmão mais velho pode chegar a sentir-se “culpado se algo negativo acontecer com o seu irmão”, assim como existe um receio de desiludir as “figuras parentais”. E acrescentou: “Pode tentar colocar as necessidades do irmão à frente das suas”.
Dessa forma, o irmão mais velho pode acabar por “saltar fases importantes do seu desenvolvimento e crescimento, dependendo da exigência das responsabilidades atribuídas”.
O irmão que recebe o cuidado, pode desenvolver menos “autonomia a longo-prazo, bem como pode ter dificuldade na resolução de problemas e menor responsabilidade para assumir os seus erros”. Apesar disto, a influência do irmão pode criar “maior estimulação, segurança e confiança numa figura que é responsável por si”, diz Joana Pires.
Retratando os desafios destas relações com uma grande diferença de idade, compreendemos que por muito forte que seja a ligação existem sempre obstáculos. Alexandre é o primeiro a reforçar que com mais uma figura parental a liberdade pode ser ainda mais restrita. No entanto, Afonso, o irmão mais velho, acredita que as diferentes personalidades são o maior obstáculo. “Nós os dois, além de termos uma diferença de idade muito grande, somos muito diferentes em várias coisas.”, disse.
Inês Morgado não quer ser vista pela irmã como uma figura de autoridade, esse é o desafio que tenta combater, devido à situação familiar (ausência da mãe). “É suposto ver-me como uma irmã e não ser uma figura de autoridade, para isso são os pais”, confirma.
Cátia e Inês Rodrigues apresentam duas perspetivas, que muitas vezes tendem a ser ignoradas. A irmã mais velha explica: “incutem-nos a ter de ser um exemplo, ou seja, não te dão muita tentativa de errar. Ficas às vezes um bocadinho mais retraída para que possas ser uma boa irmã para a tua irmã ou irmão.”
Por outro lado, para Inês Rodrigues, por estarem em diferentes fases da vida, a dinâmica da relação é afetada, por exemplo, quando a irmã saiu de casa Inês viu a sua rotina mudar por completo, sentindo sempre a ausência da irmã. “Afetou um bocadinho a dinâmica da nossa relação por causa desta questão das fases. Se tivéssemos menos diferença de idade, conseguiríamos acompanhar mais e estar mais juntas. Mas por outro lado também é giro porque passamos por experiências diferentes juntas.”
Estas relações, muitas vezes subestimadas, desempenham um papel crucial no desenvolvimento emocional e social de cada indivíduo envolvido. À medida que refletimos sobre as experiências partilhadas e os desafios superados, fica claro que a parentalidade entre irmãos é um percurso de aprendizagem constante, que molda não apenas as vidas dos irmãos envolvidos, mas também contribui para a união familiar. Num mundo em constante mudança, essas conexões sólidas oferecem suporte emocional e forças para enfrentar os desafios que a vida nos apresenta.