Pelas ruas movimentadas do centro de Coimbra, uma pequena janela na rua mais movimentada da cidade guarda uma barbearia. Por lá passam várias pessoas diariamente, das mais variadas nacionalidades possíveis. Aquele barbeiro passa o dia inteiro trabalhando, mas ao mesmo tempo sabe tudo o que acontece pela cidade. De cliente em cliente, de conversa em conversa, o barbeiro passa a conhecer histórias que ele próprio não viveu, contadas pelas pessoas que foram ali para cortar seu cabelo, e acabaram também colocando o papo em dia.
Levantar cedo para abrir o negócio, voltar tarde para a casa, a rotina de um barbeiro é cansativa. A satisfação está ali, entre um corte e outro uma nova história para conhecer, uma realidade diferente ou não da dele sendo contada na sua frente. E o que fazer com esse conhecimento? Guardar para si? Contar para a família? Passar para o próximo?
Essa é a rotina de Rafael Ribeiro Silva, de 37 anos. Paulistano, nascido na gigantesca São Paulo, Rafael deixou de lado a selva de pedra para morar no sul do país, em Santa Catarina. Mas há poucos anos ele largou tudo para trás e decidiu recomeçar a vida em Portugal juntamente com sua família. Partiu de uma vida estável no Brasil para uma incerteza.
Rafael em sua barbearia
Após pouco tempo em Lisboa, Rafa, como se apresenta aos mais íntimos, foi para Coimbra após ouvir a recomendação de um amigo. Pela qualidade de vida que viu, decidiu ficar. Hoje ele divide a casa com seis pessoas: sua esposa com seu filho, juntamente com seu irmão, a esposa e duas crianças.
Começou sua jornada no novo país trabalhando na área de restaurações, deixando de lado momentaneamente seu trabalho como barbeiro. Não durou muito, então saiu desse trabalho e partiu para um lava-jato. Simultaneamente, Rafa começou a fazer entregas, trabalhando como estafeta. Aproveitou esse momento para fazer seu networking, criou uma rede de contatos na sua nova área. Surge uma ideia: ele começa a se oferecer para cortar os cabelos desses novos conhecidos. Começava ali a vislumbrar o que viria pela frente.
Decidido a retornar a sua área de atuação, Rafael decidiu montar a sua própria barbearia. Ele tinha a consciência de que deveria abrir o seu negócio, ser o seu próprio chefe. Bastava apenas procurar um local adequado. Viu uma oportunidade na via mais movimentada de Coimbra, a Rua Ferreira Borges, teria lugar melhor para se iniciar?
Seus clientes eram inicialmente os contatos que tinha feito, majoritariamente brasileiros. Rafa conta que a princípio sentia uma desconfiança dos portugueses, principalmente os mais velhos. Entre olhadas pela janela, bisbilhotadas no salão, aqueles receosos passaram a subir as estreitas escadarias do prédio para perguntarem sobre os serviços. Sempre muito acolhedor, Rafael foi aumentando de pouco em pouco a sua clientela assim, recebendo bem, trabalhando. Seu marketing foi feito nas recomendações dos que ali passaram.
Assim foi conhecendo novas pessoas, se atualizando sobre a cidade. Trabalhando agora com o que sempre fez, ele lembra de todo o caminho que percorreu para chegar ali. Conversando com aqueles brasileiros que passam pelo seu negócio, ele percebe que o maior problema para um imigrante é a falta de instrução. Afirma que aquela realidade contada em vídeos e posts nas redes sociais é diferente da realidade que as pessoas passam, a que ele mesmo vivenciou. Começa a utilizar sua conta do Instagram para publicar relatos de outros brasileiros, faz pequenas entrevistas com essas pessoas.
Sentado na cadeira em que outrora clientes foram atendidos, converso com Rafael para entender mais sobre a realidade do imigrante brasileiro em Portugal. Ele não é um jornalista, mas com certeza conhece mais a realidade do que muitos desses que não saem das redações, se baseiam apenas no que recebem. O barbeiro pode ser considerado uma das pessoas mais informadas de uma cidade.
Rafael conta que tinha receio em saber como ia ser a recepção dos portugueses. Diz que os brasileiros têm um conceito inicial de serem odiados ao chegarem no país, o que, para ele, é ao contrário. Rafa sente que esses imigrantes são tratados como qualquer outro, mas esse sentimento se dá pela diferença das culturas: o brasileiro é um povo caloroso e receptivo, o português é mais objetivo, mas isso não significa que há algum desgosto por parte deles.
Nos últimos anos, o número de denúncias sobre xenofobia contra brasileiros em Portugal aumentou cerca de 505%, de acordo com balanço da Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial. Rafael afirma já ter ouvido histórias de brasileiros que passaram por essa situação, seja pessoalmente ou pela internet, mas diz que ele e sua família nunca passaram por alguma situação.
Rafa percebe uma diferença nos trabalhos dos imigrantes. Os trabalhos mais braçais, o que chama de subempregos, ficam com aqueles que estão vivendo ainda ilegalmente. Para aqueles com a documentação em dia, oportunidades de empregos melhores surgem.
Se diz satisfeito com sua nova vida. Comenta que no início difícil pensou em retornar ao Brasil, mas com persistência se manteve, e vê seus esforço sendo recompensado dia após dia. Entre a comunidade brasileira que conheceu, percebeu o mesmo. As pessoas não trabalham com o que elas gostam, mas são mais felizes em Portugal, procuram segurança e qualidade de vida. Chega a ser irônico, enquanto tantas pessoas vão ao país em busca de uma vida melhor, as notícias evidenciam como cada vez mais o jovem português admite emigrar para outro lugar.
“Tenho um único arrependimento, é de não ter imigrado muito tempo atrás”, Rafael acrescenta, seguido de uma risada.
Se pudesse dar um conselho para o imigrante recém-chegado no país, Rafa afirma que o ideal é economizar para apenas o necessário. Manter os gastos com aquilo que é fundamental, focar em encontrar um emprego e um local para viver. Aconselha o imigrante aguardar sua vida estabilizar para aproveitar “o que Portugal tem de melhor”.
Ele recomenda a imigração para os amigos, desde que seja feita da forma correta. Visto de trabalho, documentação em dia, acredita que é o melhor para uma pessoa que quer se mudar, mas também compreende a dificuldade que os outros passam diante do custo de todos esses trâmites.
Rafa aproveita as possibilidades das novas tecnologias da informação, combinando seus conhecimentos como barbeiro para estabelecer um canal de comunicação direta com esse público imigrante. Essas influências positivas podem ajudar significativamente a vida das pessoas.
Assim como Rafael, outros 500 mil brasileiros deixaram sua vida de lado no Brasil para recomeçar em Portugal. Alguns ficam, outros utilizam como porta de entrada para a Europa, sem contar os que desistem. Talvez a história do Rafa, ou aquelas que ele compartilha em suas redes sociais, sirvam como inspiração para todos que almejam recomeçar. Longe de familiares e amigos, talvez tudo o que uma pessoa esteja procurando seja a motivação de alguém que passou e superou os desafios. As entrevistas de Rafael estão disponíveis em seu Instagram @rafaribeiro.s_.